segunda-feira, 14 de novembro de 2016

DIREITO CIVIL VI - TRABALHO REF TA2 - TRANSPORTE

A Questão do dano moral em decorrência da infidelidade ou da quebra de outros deveres conjugais 

Por ALESSANDRA GERALDINI: Advogada, pós-graduanda em Direito Processual Civil e Direito Civil pela Instituição Toledo de Ensino, em Bauru.

“Não há fidelidade, obediência, assistência obrigatória. Tudo isso, dado por amor, não deve durar senão enquanto puder durar esse amor. Os amantes nenhum compromisso assumem para o futuro; a independência de ambos é sagrada. Nas páginas de sua vida nada se escreve com tinta indelével”
Savatier



O dano moral é evento recente na doutrina e jurisprudência brasileiras. Adquiriu força após a promulgação da Constituição Federal de 1988, ficando caracterizado toda vez em que ocorre violação ao direito da dignidade da pessoa humana. Contudo, não é raro deparar-se com situações absurdas em que se pleiteiam no judiciário certa quantia em pecúnia para a reparação do mal causado quando, na verdade, esse mal não passa de simples desilusões humanas ou capricho pessoal. O judiciário, acumulado com demandas de maior importância, é obrigado então a julgar meros dissabores normalmente presentes no dia-a-dia de qualquer pessoa comum.
            Assim, é de suma importância o estudo do dano moral na relação conjugal, visto que sua ruptura causa mágoas e revoltas que sempre deverão ser suportadas por quem não desejava a separação e que não são motivos jurídicos para se pleitear em juízo eventual indenização, sob pena de se banalizar o instituto, afastando-se do objetivo primordial da Responsabilidade Civil, qual seja a reparação do dano injustamente causado.
            Em vista disso, o presente trabalho tem por objetivo colaborar na formação de opiniões a respeito do assunto, na medida em que ele ainda é muito debatido pelos estudiosos do direito, não tendo, ainda, nenhuma solução pacifica. O âmbito da Responsabilidade Civil cresce a cada dia e vem tomando ênfase no Direito de Família, motivo pelo qual é de suma importância o estudo da matéria para uma justa e correta aplicação do direito em casos concretos.
DANO MORAL NA RUPTURA DA RELAÇÃO CONJUGAL: CONSIDERAÇÕES INICIAIS
            A aplicação do dano moral na relação conjugal se encontra bastante facilitada devido à importância que a Constituição Federal de 1988 deu aos direitos da personalidade, consagrando sua inviolabilidade e afirmando sua efetiva proteção, na medida em que alçou esse direito à categoria de garantia fundamental (CF/88, art. 5º, incisos V e X), considerada como clausula pétrea e, portanto, imutável, nos estritos termos do art. 60, parágrafo 4º, da Carta Magna. (STOCO, 2004, p. 1663).
Alega Ruy Rosado de Aguiar Junior que:
O principal enunciado da Constituição hoje não enaltece a subordinação da pessoa aos interesses da família, mas sim realça o valor da pessoa humana que participa da família, os cônjuges, companheiros, pais, filhos, parentes, ainda que isso possa afrouxar o laço familiar. (2008, p. 04).
            Sendo assim, para os que defendem a possibilidade de indenização na ruptura do casamento ou união estável, o principal argumento é o respeito à pessoa humana e a pronta responsabilização dos que a ofendem e, para tanto, o instituto da Responsabilidade Civil é perfeitamente aplicável ao direito de família. Alegam que o cônjuge que deu causa à separação não pode ficar exonerado da reparação, devendo responder pelos prejuízos que causar, tanto patrimoniais como morais.

           Diz Regina Beatriz Tavares da Silva:
 O respaldo constitucional do tema em pauta apresenta-se não só na cláusula geral de proteção à dignidade da pessoa humana, bem como no art. 5º, caput, inciso X e § 2º da Constituição Federal, que estabelece a inviolabilidade dos direitos da personalidade e o direito à indenização pelo dano moral e material decorrente de sua violação,e  no art. 226, § 8º da mesma Lei Maior, que prevê o dever do Estado de assegurar assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (2008, p.03) Contudo, o tema é bastante complexo e engloba argumentos que vão além da tão somente proteção aos direitos da personalidade.

            A família, de acordo com o artigo 226 da Constituição Federal de 1988, é a base da sociedade e tem proteção especial do Estado. Este interfere nas relações familiares em prol da sua própria sobrevivência, pois a família é considerada a célula básica da sua organização social e por isso é de extrema importância sua preservação por meio de regras que evitem o seu enfraquecimento.

            Nas relações conjugais, a proteção estatal deve se estender tanto aos direitos da personalidade do cônjuge ou companheiro (direito à honra e à imagem), como à proteção da entidade familiar. Sendo assim, na quebra dos deveres conjugais, o Estado deve interferir a fim de aplicar as sanções cabíveis, que é a separação com posterior divórcio ou a dissolução de sociedade de fato, no caso de união estável. No entanto, é vedado a este ente ingerir na esfera particular e íntima do casal em virtude da própria preservação da entidade familiar que, apesar de sujeita a determinadas regras, a inviolabilidade aos direitos da intimidade e privacidade se impõe, como corolários do principio da dignidade humana.

            Há também que se analisar criteriosamente o caso concreto para se evitar a banalização da Responsabilidade Civil e o uso inadequado do poder judiciário.

            Ademais, os excessos e exageros podem comprometer o instituto do dano moral, além de causar na sociedade grande repulsa ao casamento, ocasionada em razão do alargamento da reparação pelo seu término. Sabe-se que nas separações litigiosas é o momento propício para se pedir indenizações em virtude das mágoas e ressentimentos que se operam entre o casal, onde o desamor cede lugar aos mais pífios sentimentos de revolta, que não podem, em momento algum, fundamentar a obrigação de indenizar.

            Exceto quando haja conduta criminosa, ou comprovada conduta que trouxe repercussões indiretas gravíssimas ao ofendido, não há, nesses casos, a privação de um direito reconhecido. O único direito existente é o da dissolução da união matrimonial ou união estável.
DANO MORAL DECORRENTE DA QUEBRA DOS DEVERES CONJUGAIS: HIPÓTESES DE RESSARCIMENTO E SUAS CONSEQUENCIAS NO ÂMBITO DO DIREITO DE FAMÍLIA.
            Inicialmente se deve considerar que os danos morais podem decorrer da violação dos deveres conjugais previstos no artigo 1566 do Código Civil de 2002, bem como se derivar das conseqüências do rompimento conjugal. Neste último, descabe falar em ressarcimento, posto que o casamento e a união estável não estão sujeitos à perpetuidade, ou seja, os cônjuges ou companheiros podem, a qualquer tempo, dissolver os laços conjugais através da separação, com posterior divórcio ou com a dissolução de sociedade de fato. As dores que se operam com eventual dissolução não são passíveis de indenização, pois fazem parte de um dissabor comum na vida humana, quando o afeto simplesmente acaba. Em consonância com Regina Beatriz Tavares da Silva: “o desamor, por si só, não gera o direito à indenização, já que amar não é dever jurídico, inexistindo ato ilícito na falta de amor” (2008, p. 02)

            No que tange ao descumprimento dos deveres do casamento, a indenização será cabível quando tipificar conduta delituosa, caso em que será devido tanto o dano moral como o material. São atos ilícitos reparáveis e que tornam impossível a comunhão de vida: tentativa de morte (inciso II, art. 1573, CC/2002) e sevícia ou injúria grave (inciso III, art. 1573, CC/2002), além de outros que poderão ser considerados pelo juiz, tais como, a exemplo, contaminação pelo vírus da Aids, transmissão de doenças venéreas, lesão corporal, negligência ao estado de saúde do cônjuge, etc.

            Nota-se que, nesses casos, o ressarcimento não é devido pela quebra dos deveres conjugais e sim por consistir o ato em conduta criminosa, conduta esta que, mesmo fora da entidade familiar, deverá ser indenizada.No que tange ao adultério, entende-se que este não deva ser indenizado.

            Vale lembrar que o crime de adultério, motivo predominante nas ações de indenização por dano moral entre cônjuges ou companheiros, foi revogado pela lei 11.106 de 28 de março de 2005, pelo desuso no mundo jurídico.

            Nesse sentido:

Ação indenizatória. Dano moral. União estável. Infidelidade. Reparação pretendida em face de convivente infiel e do terceiro, parte alheia no contrato existente. Inadmissibilidade. Verba indevida. – “A quebra de um dos deveres inerentes à união estável, a fidelidade, não gera o dever de indenizar, nem a quem o quebra, um dos conviventes, e menos ainda a um terceiro que não integra o contrato existente e que é, em relação a esse, parte alheia” (apud Stoco, 2004, p. 837)

             Além de o adultério não mais constituir conduta delituosa, se deve atentar aos princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana, esta que pode ser invocada para proteger tanto a honra do cônjuge traído como a intimidade do cônjuge que traiu. Aliado a isso se tem a complexidade das relações conjugais, motivo pelo qual se tem discutido a possibilidade do juiz decretar a separação do casal com base apenas na insubsistência da comunhão plena de vida, sem atribuir culpa a nenhum dos cônjuges.

            Acerca do princípio da afetividade, este ganhou êxito a partir da necessidade de constitucionalização do direito de família. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Código Civil passou por profundas modificações e se tornou imperiosa sua adequação à Carta Magna. Assim sendo, abandonou-se a característica patrimonial e patriarcal, resquícios do Código Civil de 1916, para dar ensejo a relações familiares marcadas pela afetividade, solidariedade e igualdade. Nesse contexto, a nova família é, ou deveria ser, marcada por laços de amor, ou seja, vinculada pelo afeto, sem interesses materiais. Sendo assim, seria um ultraje condenar um cônjuge a pagar indenizações ao outro pelo rompimento do laço conjugal quando não houver conduta criminosa, posto que essa possibilidade contraria o princípio fundamental da afetividade e regressa ao patrimonialismo do já revogado Código Civil de 1916.
            A nova Constituição também inseriu no seu ordenamento um dos princípios mais importantes no mundo jurídico, o princípio da dignidade da pessoa humana, basilar em qualquer estado democrático de direito. Nas relações conjugais, tal princípio representa fortemente os direitos da personalidade dos membros familiares.
            Quando o pedido de indenização por danos morais tem por fundamento a quebra do dever de fidelidade, o cônjuge traído invoca a violação de seu direito à honra ou a imagem. Contudo, o cônjuge que traiu pode invocar, caso o Estado tenha que adentrar na esfera íntima do casal para sustentação da culpa, violação ao seu direito à intimidade e privacidade, o que, também, contraria o principio da dignidade da pessoa humana. Nota-se que nesses casos há um confronto entre direitos fundamentais que deverá ser minuciosamente analisado pelo juiz, de acordo com o caso concreto.

            Em relação à culpa, esta surgiu com base nos princípios da Igreja Católica que considerava o casamento sagrado e indissolúvel, somente sendo permitida a separação do casal nos casos em que houvesse ilícito penal. Nesse contexto, o Direito era ditado pela Igreja, cujo poder se justificava na crença divina. Contudo, na Idade Moderna, houve um período de secularização, laicização, marcados pela mudança de pensamento e paradigmas, transformando assim a concepção de Direito.

            Assim, não tendo mais a Igreja influência sobre a criação de normas de direito, descabe falar em culpa na entidade familiar, e, conseqüentemente a indenização por dano moral perde seu pressuposto, qual seja, a culpa, necessária para a correta caracterização da responsabilidade civil que, nas relações conjugais é subjetiva.
            De acordo com Welter:

No Direito de Família, em vista dos princípios da secularização, da dessacralização do casamento, da liberdade, da igualdade, da prevalência dos interesses dos cônjuges e dos companheiros, da felicidade, da solidariedade, do afeto, da cidadania e da dignidade da pessoa humana, não se pode falar em culpa ou em responsabilidade civil[37]. A responsabilidade imposta no Direito de Família é apenas o “direito de ser feliz e o dever de fazer o outro feliz”[38]. O amor é uma estrada de mão dupla, na qual os cônjuges ou companheiros são responsáveis pelos seus atos e suas escolhas[39], pelo que não se pode discutir a culpa[40]. No Direito de Família, não há responsabilidade civil, e sim a responsabilidade pessoal, em vista da liberdade de escolha do consorte, da situação em que o cônjuge ou companheiro se encontra, ao optar pela dissolução da entidade familiar, e pela saída desse conflito[41], enfim, se é direito da pessoa humana constituir núcleo familiar, também é direito seu não manter a entidade formada, sob pena de comprometer-lhe a existência digna[42]. Eventual lei de imposição de dano moral na dissolução da sociedade conjugal ou união estável seria inconstitucional, por duas razões: a primeira, as leis não têm o objetivo de abolir, e sim de preservar e ampliar a liberdade[43], sob pena de incidir em retrocesso social, o que é inadmissível, segundo a doutrina[44] e a jurisprudência[45], e renunciar à liberdade é o mesmo que abdicar de um direito próprio da humanidade[46]; a segunda, essa lei ofenderia os princípios constitucionais da secularização, da prevalência dos interesses dos cônjuges e companheiros, da cidadania, do afeto, da solidariedade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana, isso porque não se admite que uma regra, mesmo que em nível constitucional, possa contrariar princípios. (2008, p. 11)
            Em vista disso, não se deve discutir a culpa no Direito de Família, pois o Direito dá importância mínima ao princípio da culpa sacralizado pela Igreja e a tendência é aboli-la definitivamente na dissolução do casamento ou união estável. Assim o é que o legislador de 2002, no artigo 1704, parágrafo único, possibilitou que a obrigação alimentar decorresse apenas da necessidade da pensão, independentemente da culpa pela separação, reservando ao culpado apenas a parcela indispensável à sua sobrevivência, excluídos, portanto, os destinados à manutenção do padrão social existente na vigoração do casamento ou união estável.
            Outro exemplo de redução da culpa é em relação ao nome. O parágrafo segundo do artigo 1571 do Código Civil de 2002 estabelece que:

            Art. 1571, parágrafo segundo: Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial.

            Também dispõe a lei 8.408/92, que alterou o artigo 25 da Lei do Divórcio, que a mulher pode conservar o nome de família do ex-marido se a alteração acarretar evidente prejuízo para a sua identificação (inciso I), manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida (inciso II), ou em caso de dano grave reconhecido em decisão judicial (inciso III).

            Desse modo, a culpa também não interfere de maneira absoluta no nome dos cônjuges, que podem manter o nome de casado.

            Vale lembrar que a guarda dos filhos não leva em consideração a culpa do cônjuge, e sim o interesse dos menores ou maiores incapazes. O artigo 1584 (CC, 2002) determina que a guarda seja atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la. Mais uma vez, a culpa perde força no direito de família.

            Além do exposto, deve se considerar que as relações conjugais são demasiadamente complexas. A vida a dois pode se tornar insuportável por variados e infindáveis motivos que não dependem exclusivamente de atos de um só cônjuge ou companheiro, ou seja, o desamor e a intolerância que tornam a convivência inviável podem ser recíprocos e a atitude de um pode ser reflexo da atitude do outro. Nesse contexto, impossível seria identificar quem deu inicio à quebra dos deveres do casamento, ensejando a separação, bem como identificar o exato momento em que a culpa se tornou motivo da insuportabilidade da vida em comum.

            Afirma Douglas Phillips Freitas:

É comum a culpa recíproca do casal. Embora um tenha praticado a quebra do adultério, por exemplo, espécie do gênero fidelidade, o outro, repetidas vezes rompera outros deveres como o mutuo auxilio ou o afeto, que por vez, culminaram naquela prática repudiada. Em responsabilidade civil, trata-se da modalidade de culpa concorrente, logo, anula-se ou diminui o próprio o dever de indenizar, destarte todas as outras digressões. (2008, p. 05)

            Aliado à complexidade das relações conjugais, existe a dificuldade de produção de provas da culpabilidade do cônjuge ou companheiro, caso esta fosse considerada. Sabe-se que o adultério é realizado, por motivos óbvios, na clandestinidade, com bastante sutileza e discrição, e a sua prova não pode ser admitida por meios ilícitos, criminosos, fraudulentos, pois a Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos X, XII e LVI, assim apregoa:

            Art. 5º, inciso X: São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
            Art. 5º, inciso XII: É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial.
            Art. 5º, inciso LVI: São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
            Também pertence a Freitas o seguinte excerto:

É sabido que a desconfiança da infidelidade, quanto ao adultério, por exemplo, incorre por indícios muito sutis, mas, sua comprovação geralmente se dá de forma robusta, com o flagrante do ilícito, geralmente por testemunhas ou por mensagens, e-mails, cartas, entre outros meios de comunicação ampliados na modernidade. Ocorre que obtenção destes meios probatórios geralmente são ilícitos, pois decorre de acesso a senhas, documentos pessoais entre outras violações da intimidade do consorte, que, por força legal são protegidos. (2008, p. 07)
            Assim, se alguma das partes utilizarem meios ilícitos para a obtenção da prova da infidelidade, essas serão inválidas.

            Outro argumento que pode ser posto contrário à indenização por danos morais entre cônjuges é a respeito da natureza do casamento. Considerada como contrato, a união matrimonial não pode ser equiparada ao contrato do Direito das Obrigações. Seu objeto primordial é o afeto e não relações patrimoniais. Portanto, possuem regras diferentes, bem como formas de sanção. Ademais, não há qualquer disposição expressa no Direito de Família que possibilite a reparação. Sendo assim, mesmo para os que defendem que o casamento seria uma instituição, os nubentes são a ela submetidos e não podem mudar as regras que o regem.
            Nesse sentido, decisão da Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

DIVÓRCIO. DANOS MORAIS. REPARAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. Admitindo-se que o casamento é um contrato, não se pode deixar de notar que ele não se assemelha ao contrato do direito patrimonial. Embora esteja submetido à livre vontade das partes, não podem estas estipular condições ou termos, nem opor cláusulas ou modos, nem disciplinar as relações conjugais de maneira contrária à lei. Por isso, as controvérsias decorrentes de sua eventual dissolução não podem ser solucionadas com regras próprias das obrigações. Recurso improvido. (apud Madaleno, 2008, p. 01)
            Sendo assim, somente serão indenizáveis e usarão as regras gerais da responsabilidade civil, os atos ilícitos, criminosos, cometidos entre cônjuges ou em casos onde há grave exposição e humilhação do ofendido de tal modo que traga sérias conseqüências negativas de caráter pessoal e social. Caso contrário, ou seja, na quebra dos demais deveres do casamento, a sanção a ser aplicada é a separação com posterior divórcio ou a dissolução da união estável.
            Em suma, a possibilidade de indenização por dano moral nas relações conjugais teria caráter compensatório, já que o direito de família possui suas sanções específicas. Ocorre que seria extremamente imoral compensar com dinheiro o fim do casamento ou união estável, pois esses institutos, como já dito, são fundamentados no afeto. Portanto, a relação conjugal não pode ser monetizada, sob pena de se iniciar uma verdadeira indústria do dano moral, marcada pela cobiça e por reles interesses patrimoniais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
            Após debater a possibilidade de indenização por dano moral decorrente da quebra dos deveres do casamento ou união estável, em especial a infidelidade, conclui-se que a fixação ou não da indenização advinda desses casos deve ser analisada criteriosamente pelo juiz, de maneira coerente à situação que tornou insuportável a vida em comum do casal, ensejando a separação.
            Normalmente a indenização não deve ocorrer. É o caso, por exemplo, da simples perda do afeto que, consequentemente, pode causar profundas dores e frustrações em decorrência da desilusão amorosa, o que não é motivo jurídico para se pleitear indenização por dano moral. O amor é, ou deveria ser, o motivo da união familiar e não deve de forma alguma ser objeto de pecúnia, sob pena de se banalizar o instituto da Responsabilidade Civil abrangendo qualquer espécie de dor e sofrimento presentes normalmente na vida humana e suportável por qualquer pessoa comum, além de permitir a indenização de reles interesses inoportunos.
            Entende-se, no presente estudo, que, em regra, somente deve existir a reparação do dano quando a conduta praticada pelo cônjuge ou companheiro for criminosa, quando tipificar um delito, conduta essa que, mesmo fora da entidade familiar, deverá ser indenizada. Nota-se que nesses casos o ressarcimento não é devido em virtude da quebra dos deveres conjugais e sim pela gravidade do ato, que possui tutela jurídica. Em exceção, também poderá ser indenizado o ato que trouxer repercussões indiretas gravíssimas, ainda que não criminoso, como, por exemplo, quando a situação deixar o ofendido em séria exposição vexatória, de modo que tamanha humilhação cause reflexos na sua vida pessoal e social. Ressalte-se que tais casos devem constituir exceção, exigindo extrema cautela na apreciação pelo juiz.

            Nos demais casos a legislação sequer possui disposição expressa que permita a indenização por dano moral no rompimento do casamento ou união estável. As sanções aplicadas nas hipóteses da quebra dos deveres conjugais são a separação, o divórcio e a dissolução da sociedade de fato, institutos próprios do Direito de Família.

            No caso da infidelidade, o posicionamento explicitado no trabalho no sentido de não conceder indenização por dano moral ocorre em virtude do adultério não mais configurar conduta delituosa, além da impropriedade de se discutir a culpa em relações tão complexas que acaba por interferir indevidamente na intimidade e privacidade do casal, violando o principio da dignidade da pessoa humana. Aliado a isso, o processo judicial poderia se transformar em instrumento de vingança utilizado pelo cônjuge ou companheiro traído com o escopo de obter ressarcimento pelos seus mais pífios sentimentos de revolta. Também se deve considerar que o ato do infiel pode não ter sido uma conduta isolada, ou seja, pode ser reflexo da conduta do outro que também quebrou deveres do casamento ou união estável, contribuindo para seu término.

            Em suma, não pretendeu o trabalho que se deixe desamparado o cônjuge ou companheiro prejudicado em sua honra e imagem. Chama-se a atenção a uma análise criteriosa a fim de constatar se realmente houve lesão jurídica plausível de indenização. As relações conjugais são demasiadamente complexas e a sua dissolução engloba acontecimentos vários de difícil percepção e comprovação, pois fazem parte da esfera intima do casal.

            A possibilidade de responsabilização em casos que não impliquem em conduta criminosa, levando em consideração sentimentos decorrentes do dano ocasionado, por óbvio enfraqueceria a instituição familiar, desestruturando o próprio Estado que protege constitucionalmente o casamento. O afeto cederia lugar à cobiça e o judiciário se transformaria numa indústria do dano moral que geraria enriquecimento ilícito e imoral do cônjuge ou companheiro prejudicado apenas no seu ego, sem lesão jurídica (ofensa aos direitos da personalidade) efetiva e relevante.

FONTES
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. 7ª Turma. Apelação Cível nº 70007503766. Relatora: Maria Berenice Dias. Data do julgamento: 17.12.03.

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  RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil - Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2003.

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